sábado, 7 de novembro de 2009

O Abutre - Franz Kafka

Kafka (D), ñ sei quem está do lado dele...

Era um abutre que me dava grandes bicadas nos pés. Tinha já dilacerado
sapatos e meias e penetrava-me a carne. De vez em quando, inquieto,
esvoaçava à minha volta e depois regressava à faina. Passava por ali um
senhor que observou a cena por momentos e me perguntou depois como eu
podia suportar o abutre. — É que estou sem defesa – respondi. — Ele veio e
atacou-me. Claro que tentei lutar, estrangulá-lo mesmo, mas é muito forte, um
bicho destes! Ia até saltar-me à cara, por isso preferi sacrificar os pés. Como
vê, estão quase despedaçados. — Mas deixar-se torturar dessa maneira! –
disse o senhor. — Basta um tiro e pronto! — Acha que sim? – disse eu. —
Quer o senhor disparar o tiro? — Certamente – disse o senhor. — É só ir a
casa buscar a espingarda. Consegue agüentar meia hora? — Não sei lhe dizer
– respondi. Mas sentindo uma dor pavorosa, acrescentei: — De qualquer
modo, vá, peço-lhe. — Bem – disse o senhor. — Vou o mais depressa
possível. O abutre escutara tranqüilamente a conversa, fitando-nos
alternadamente. Vi então que ele percebera tudo. Elevou-se com um bater de
asas e depois, empinando-se para tomar impulso, como um lançador de dardo,
enfiou-me o bico pela boca até ao mais profundo do meu ser. Ao cair senti,
com que alívio, que o abutre se engolfava impiedosamente nos abismos
infinitos do meu sangue.

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